Ideais da Justiça
Um país formado por instituições públicas que conhecem e, melhor ainda, respeitam seu Direito Positivo, particularmente sua Constituição Federal, e atendem fundamentalmente os interesses reais dos jurisdicionados pode parecer irrealizável. Todavia, esta é, ainda que parcialmente, a realidade que lentamente se forma em torno das políticas públicas em autocomposição no Brasil.
Quando se debatia a conciliação e a mediação na década de 1990, surgia à
mente a imagem de um hospital moderno, que após insistentes e árduas tentativas
logra obter complexo e custoso equipamento. Leitor de imagens digitalizadas,
mencionado aparato gera precisos e relevantes diagnósticos, essenciais para o
tratamento preventivo e a cura de graves doenças, e para tanto, mecanismos
adequados devem ser criados. Justamente o que vem sendo feito, com a
estruturação de cursos de formação de pessoas capazes de operar o conhecimento
em prol dos pacientes.
Na seara política, social e organizacional, os padrões desejados para o
funcionamento da complexa maquinaria de um Estado democrático, ágil e moderno,
exigiu da civilização humana séculos de incontáveis discussões e, em sua grande
maioria representada por sangrentas batalhas. Efetivas lides, entre povos
defensores de distintas culturas e opiniões sobre questões vitais, como por
exemplo, os direitos e as garantias individuais.
Parece-nos que nas primeiras histórias de sucesso na gestão desse
sistema tem mostrado-nos algumas lições essenciais na realização dos valores e
normas codificados e impressos em um texto legal conhecido como: Constituição
Federal, Carta Magna ou Código Supremo. Em especial no que tange à
administração dos valores estabelecidos no seu preâmbulo segundo a qual nossa
ordem constitucional se funda "na harmonia social comprometida com a
solução pacífica das controvérsias". Dessas lições essenciais, destaca-se:
i) a necessidade de administrarem-se as instituições públicas para que o seu
conteúdo axiológico possa ser realizado e ii) a essencialidade de sólidas
parcerias entre as instituições realizadoras das políticas públicas.
Por mais íntegra, verdadeira, ou construtiva que seja a norma
constitucional instigadora da harmonia social e da solução pacífica de
controvérsias, se não houver a adequada administração de tribunais e órgãos
públicos para sua realização essa norma passa a ser texto morto ou mero
indicativo de hipocrisias legislativas. Isto porque, por melhor que seja a
norma, um mau aplicador sempre pode extinguir sua eficácia e com isso seu
potencial de transformação social — em especial quando se trata de conciliação,
mediação e outras formas autocompositivas de resolução de disputas.
Nesse sentido, compreendeu-se a necessidade de que as instituições
públicas administrem adequadamente seus recursos para que os valores constantes
na norma constitucional possam ser realizados. Nesse campo, aos poucos o
Conselho Nacional de Justiça tem obtido êxitos notáveis no que tange à
progressiva construção de uma sociedade mais harmonizada (e harmonizadora). O
Dia Nacional da Conciliação transformou-se em Semana Nacional da Conciliação.
Uma das Resoluções de implantação mais complexa — a que dispõe sobre a política
judiciária nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito
do Poder Judiciário — tem sido implantada com índices cada vez melhores de
restauratividade das relações e efetividade nas resoluções de disputas. Os
resultados iniciais não poderiam ser mais motivadores da continuidade dessa
política pública.
A outra lição que contribuiu para esses sucessos refere-se à construção
de parcerias sólidas entre órgãos públicos que, em passado remoto, agiam de
forma dissonante. Em razão da seriedade de propósito e comprometimento dos
dirigentes do Ministério da Justiça, pela sua Secretaria de Reforma do
Judiciário, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e
da Escola Nacional da Magistratura com os valores previstos na Constituição de
"na harmonia social comprometida com a solução pacífica das
controvérsias" estes órgãos passaram a agir coordenadamente possibilitando
o desenvolvimento de diversos produtos fundamentais para a consolidação dessas
políticas públicas.
Em suma, a política judiciária nacional de tratamento adequado de
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário decorre, em parte
significativa, da incorporação dessa valorização do consensualismo. Esse
"valor de consensualismo" — de natureza constitucional — aproximou
esses parceiros de fundamental importância com o intuito de fazer com que a
conciliação e a mediação se tornem a principal forma de resolução de conflitos
no Poder Judiciário e que este seja o efetivo agente harmonizador que nossa
sociedade clama.
Por José Roberto Neves Amorim
Fonte: ConJur
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