Criar a mentalidade de conciliar leva muito tempo
O Judiciário
brasileiro encontra-se mergulhado no que se pode chamar de crise multifacetada,
caracterizada por tensões de eficiência e de identidade da Justiça. A
eficiência é comprometida pelo déficit qualitativo e quantitativo referente à
prestação jurisdicional, que, analisada sob o ponto de vista da eficácia e da
efetividade, está longe de ser satisfatória. A identidade, por sua vez,
encontra-se sob sério risco, na medida em que o papel de vetor de
transformações sociais e instrumento de solução de conflitos com eficácia para
a pacificação social também está esmaecido e sensivelmente comprometido.
O presente artigo
analisa aspectos pontuais dos mecanismos de resolução integrativa de conflitos
enquanto tentativa de solução das referidas crises. A chegada da chamada
terceira onda de acesso à Justiça parece apontar para a superação do modelo de
solução adjudicada pela autoridade estatal, ainda amplamente adotado, sobretudo
nas ações previdenciárias, dado o marcado cunho social.
Todos os caminhos
passam pela releitura dos papéis da Justiça, do poder público e dos advogados.
Nesse contexto, uma variável relevante no processo de alavancagem da
autocomposição é também a política de elevação dos patamares financeiros das
propostas conciliatórias.
Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos
O modelo tradicional de solução de conflitos empregado pelo Poder Judiciário, detentor do monopólio da jurisdição, coloca as partes em um verdadeiro duelo, uma vez que predispostas em lados antagônicos no processo judicial, acirrando o preexistente estado de tensão em que um ganha e o outro perde, quando ambos não perdem. Na autocomposição, inverte-se essa lógica, pois o que se tem é o chamado “ganha-ganha”: ambas as partes saem vencedoras.[1]
O modelo tradicional de solução de conflitos empregado pelo Poder Judiciário, detentor do monopólio da jurisdição, coloca as partes em um verdadeiro duelo, uma vez que predispostas em lados antagônicos no processo judicial, acirrando o preexistente estado de tensão em que um ganha e o outro perde, quando ambos não perdem. Na autocomposição, inverte-se essa lógica, pois o que se tem é o chamado “ganha-ganha”: ambas as partes saem vencedoras.[1]
Com a conciliação
abre-se uma nova e mais eficaz técnica de gestão do processo, que é a
consensual, possibilitando ao Poder Judiciário prestar um serviço mais
qualificado e melhorar o atendimento e o nível de satisfação dos seus usuários.
A conciliação,
enquanto via integrativa e democrática de solução de conflitos,[2] para além de reduzir a demanda de
processos, o que é apenas uma consequência, apresenta a vantagem da verdadeira
pacificação social. A melhor sentença não possui o valor de um acordo. Na
sentença, o Estado-juiz se substitui à vontade das partes, mas não soluciona o
conflito subjetivo destas, gerando, muitas vezes, ainda maior conflituosidade.[3]
A locução
mecanismos alternativos talvez não seja hoje a mais apropriada se considerarmos
que: 1. incumbe as partes, enquanto senhores da disputa, em primeiro plano, o
dever de a ela por fim;[4] 2. oferecem mais vantagens do que a
solução adjudicada; e 3. passam a ser, enquanto política pública instituída
(CNJ, Res. 125/2010), prioridade para o Poder Judiciário.[5]
O que se busca com
a conciliação é conferir aos cidadãos o direito de participação ativa na
resolução de seus conflitos, proporcionando o crescimento do sentimento de
responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas
vivenciados. A possibilidade de solução consensual do litígio reflete-se
positivamente na qualidade de vida da população, na ampliação do acesso à
Justiça, na conscientização sobre direitos e no pleno exercício da cidadania.
Constitui, em última análise, ampliação do acesso à Justiça e instrumento de
plenitude democrática.
Conciliar é ato de
desprendimento. Por meio da conciliação resgata-se o outro, o ser humano, há
uma acentuada preocupação com o futuro das partes, seus valores e problemas em
seus mínimos e às vezes imperceptíveis aspectos.[6]
Conciliar é também
uma arte. Demanda técnica apurada. O papel do conciliador é estimular as
pessoas a chegarem aonde elas querem estar, é estimular a comunicação, o
diálogo e o entendimento, dizia o saudoso professor Warat.[7] Para bem desempenhar esses misteres
precisa estar tecnicamente preparado.
O grande problema
que se tem a enfrentar é a reinante cultura de litigância. Incutir a
mentalidade consensual é um trabalho de longo prazo. Deveríamos nos preocupar
com essa questão desde o ensino fundamental de nossos jovens, mas, ao menos, no
ensino jurídico, que não educa para a pacificação social, mas para litigar,
dever-se-ia estudar, como disciplina obrigatória, as formas consensuais de
solução dos conflitos ou de autocomposição.[8] Sobretudo, precisa o Poder Judiciário
compreender que fazer justiça não pressupõe necessariamente predispor as partes
na condição de vencido e vencedor; que é mais importante restaurar a harmonia
entre as partes do que acirrar seus conflitos e ressentimentos.
É de fundamental
importância a cooperação entre os diversos atores envolvidos no sistema
judicial, incentivando a implantação de novos métodos de solução de conflitos,
em especial a conciliação, antes ou depois de ajuizada a ação. Além da mudança
de cultura, faz-se mister que os usuários da Justiça revejam suas orientações
criando também políticas institucionais de incentivo e incremento das
conciliações. E mais, precisam preparar seus quadros funcionais, notadamente
seus prepostos, representantes e procuradores para enfrentar essa nova
realidade que se apresenta como via inequivocamente mais racional e democrática
para a prevenção e a solução de litígios.
O Poder Público e as conciliações
A grande maioria dos processos da Justiça Federal advém do Poder Público Federal, com 77% do total de processos dos 100 maiores litigantes da Justiça (68% no polo passivo). O INSS é o maior litigante nacional (22,33%) e também o maior da Justiça Federal (43,12%).[9]
A grande maioria dos processos da Justiça Federal advém do Poder Público Federal, com 77% do total de processos dos 100 maiores litigantes da Justiça (68% no polo passivo). O INSS é o maior litigante nacional (22,33%) e também o maior da Justiça Federal (43,12%).[9]
Essa litigiosidade
contra o Poder Público se deve ao tratamento tendencioso das pretensões na via
administrativa, sobretudo ao equívoco dessa instância de limitar a exegese da
lei à sua literalidade, vale dizer, de olvidar os demais métodos
interpretativos existentes, especialmente os filtros constitucionais que a
todos os intérpretes vinculam.
É censurável a
prática comumente empregada pelo Poder Público de resistir às legítimas
pretensões que lhe são dirigidas na via administrativa para obrigar o
interessado a residir em juízo e depois obter um acordo com renúncia de parte
do direito. Isso é inaceitável, mas ocorre com frequência. Avulta o papel do
juiz em coibir tal prática, que viola os princípios que norteiam a atividade
administrativa: moralidade e boa-fé, principalmente.
Por outro lado, a
simples judicialização de uma pretensão legítima não impede a sua satisfação.
Não fica obstado, nem dependente de autorização, o acordo que tenha por objeto
uma pretensão que administrativamente poderia ter sido atendida. Basta a boa
vontade e o maior zelo com a coisa pública.
Sobre a transação
nos processos em trâmite na Justiça Federal, destaca-se um aspecto que é de
fundamental relevância: é preciso romper com o mito da indisponibilidade dos
direitos tutelados pela Administração Pública. O que é indisponível é o
interesse público, que não se confunde com o interesse de determinado órgão ou
entidade administrativa. Interesse público é o da coletividade como um todo.
Mas a indisponibilidade do interesse público não veda o reconhecimento de
direitos legítimos, nem a renúncia a determinadas posições jurídicas quando não
se revelem a este lesivas. A coletividade tem interesse em atender aos justos
pleitos de seus membros em face do Estado, com a brevidade que um acordo
proporciona.
Haveria interesse
público no pagamento de vultosas quantias a título de juros moratórios insertos
nas condenações judiciais? É certo que não. Os juros milionários que são
anualmente pagos pela Fazenda Pública em decorrência de condenações judiciais
oneram a coletividade e poderiam ser evitados, se (1) não houvesse
recalcitrância em atender pleitos legítimos na via administrativa e (2)
procurasse a Fazenda Pública acordar com os demandantes para deles eximir-se satisfazendo
as pretensões antes da condenação.
Há ainda outra
variável que conspira favoravelmente à conciliação por parte do Poder Público:
o elevado gasto com a sua advocacia contenciosa, que poderia ser melhor
utilizada em lides de verdadeiro interesse público.
Por qualquer ângulo
que se examine a questão, vai-se concluir que o custo-benefício da manutenção
de certas demandas, como as previdenciárias, por exemplo, é mais negativo aos
cofres públicos do que a adesão aos programas de solução consensual. Optar pela
solução adjudicada mediante sentença estatal é, por assim dizer, um péssimo
negócio para o Poder Público.
O problema da
intransigência do Poder Público em firmar acordos no âmbito judicial tem a
solução dependente de uma mudança nas políticas institucionais e, em boa
medida, de atitudes mais corajosas dos procuradores públicos.[10] Basta ver que em algumas localidades
os acordos acontecem e em outras não. Da insistência do juiz e das tratativas
que este pode e deve entabular com os procuradores e advogados também é
dependente o bom resultado.
O novo papel do advogado na conciliação
Os advogados, de sua vez, alguns intransigentes e refratários à ideia de solução consensual, precisam compreender que todos ganham quando se consegue evitar a judicialização do conflito (função primeira do advogado) e, depois, não sendo possível, quando se busca a solução do litígio pela via autocompositiva. Nunca se pode colocar o interesse próprio (do advogado) acima do interesse do cliente (parte). O advogado tem, na conciliação, a oportunidade de antecipar no tempo o recebimento de seus honorários.
Os advogados, de sua vez, alguns intransigentes e refratários à ideia de solução consensual, precisam compreender que todos ganham quando se consegue evitar a judicialização do conflito (função primeira do advogado) e, depois, não sendo possível, quando se busca a solução do litígio pela via autocompositiva. Nunca se pode colocar o interesse próprio (do advogado) acima do interesse do cliente (parte). O advogado tem, na conciliação, a oportunidade de antecipar no tempo o recebimento de seus honorários.
A tônica das
soluções consensuais, que deverá nortear as atividades do Poder Judiciário
neste início de milênio, parece ampliar o espectro das atribuições dos
advogados. Acresce-se às hoje desempenhadas, na defesa do direito e enquanto
atividade essencial à administração da Justiça, a orientação, extra e
endoprocessual, para a solução consensual, que constitui um trabalho
imprescindível e relevante, sobretudo com vistas a possibilitar que o cliente
retire o máximo de proveito das negociações. Por isso, também o advogado deve
estar qualificado para atuar na audiência conciliatória.
Sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário
Sensível à problemática do Poder Judiciário, por meio da Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, o CNJ instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, dispondo que aos órgãos do Poder Judiciário incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.
Sensível à problemática do Poder Judiciário, por meio da Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, o CNJ instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, dispondo que aos órgãos do Poder Judiciário incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.
Para os juízes,
especialmente na Justiça Federal, os esforços no sentido de obter um acordo entre
as partes para pôr fim ao litígio mediante solução consensual deixaram de ser
uma faculdade para se tornarem uma obrigação que a todos vincula com caráter
cogente. Passam a ser um dever inerente ao cargo. Até porque a existência
formal de uma Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de
interesses (conciliação) repercute no patrimônio jurídico de todos os
litigantes, aperfeiçoando o direito subjetivo de ter o litígio de que é parte
submetido a uma solução pela via autocompositiva.
A partir do advento
da Resolução 125/10-CNJ, instituindo a Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário,
os Tribunais estão obrigados à criação de estruturas apropriadas à sua
efetivação, a saber: Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania — Cejuscon.[11]
Destaca-se a
proposta de ampliação da atuação do Poder Judiciário por meio da criação dos
Cejuscons, que deverão, nos moldes dos tribunais ou foros multiportas, prestar
aos cidadãos uma maior gama de serviços, tais como orientação jurídica e para o
pleno exercício da cidadania, como, por exemplo, o encaminhamento aos órgãos e
entidades públicas, como Justiças Estadual e do Trabalho, INSS, Receita
Federal, Polícia Federal, AGU, Defensoria Pública, Incra, Conselhos
Profissionais, Universidade etc, sendo imprescindível firmar com estas
convênios de mútua cooperação.
Para viabilizar a
ampliação dos serviços prestados devem os Tribunais prover os Núcleos e os
Cejuscons de recursos humanos e materiais adequados. Incumbe-lhes, por conseguinte,
investir na formação de juízes, servidores e conciliadores, promovendo cursos e
treinamento de capacitação, nos moldes preconizados pela Resolução 125/10-CNJ.
O juiz será
avaliado para fins de promoção ou remoção por merecimento em razão da sua atuação
em conciliações. Portanto, faz jus às condições para o desenvolvimento do
trabalho que vai habilitá-lo a uma melhor avaliação (pontuação) promocional na
carreira. É importante que isso ocorra porque certamente as conciliações,
enquanto ampliação das técnicas de gestão do processo, devem, num primeiro
momento, aumentar o volume de trabalho dos juízes.
Será também da
responsabilidade dos tribunais criar e manter um banco de dados contemplando as
atividades do Núcleo e de cada Cejuscon, para seu controle próprio e de forma a
alimentar o banco de dados nacional, que ficará a cargo do CNJ, possibilitando
assim correções e adequações na Política Judiciária Nacional.
Breves fundamentos conciliatórios
As conciliações se caracterizam por recíprocas concessões das partes, cada uma cedendo em relação a uma parcela do seu direito (art. 840 do CC), com vistas a pôr fim ao litígio. Nas demandas contra o Poder Público, via de regra, o autor cede quanto ao seu direito material, ou seja, abre mão de uma parcela da benesse que está postulando. O réu cede em relação ao seu direito (processual) de contestar ou recorrer, admitindo satisfazer a pretensão antecipadamente. Beneficia-se com a redução da dívida e do trabalho que representa a demanda.
As conciliações se caracterizam por recíprocas concessões das partes, cada uma cedendo em relação a uma parcela do seu direito (art. 840 do CC), com vistas a pôr fim ao litígio. Nas demandas contra o Poder Público, via de regra, o autor cede quanto ao seu direito material, ou seja, abre mão de uma parcela da benesse que está postulando. O réu cede em relação ao seu direito (processual) de contestar ou recorrer, admitindo satisfazer a pretensão antecipadamente. Beneficia-se com a redução da dívida e do trabalho que representa a demanda.
As partes capazes
são livres para pactuar, sendo lícito o objeto da transação, cada uma
obedecendo à sua livre vontade e às suas conveniências. Cabe ao juiz apenas
incentivá-las esclarecendo as vantagens da conciliação.
Não deve, por outro
lado, a solução consensual implicar, com o beneplácito judicial, que apenas uma
das partes abra mão do seu direito, para obter a sua satisfação sem delongas,
porque mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. A demanda nunca é boa,
mas o Poder Judiciário, com todas as suas mazelas, notadamente a sua lentidão,
a torna muito pior. O acordo tem de ficar bom para ambas as partes.
As variáveis que
mais influem na realização de uma composição amigável por conciliação são o
grau de certeza do direito e a possível demora na tramitação do processo até a
efetiva satisfação do direito. Poder-se-ia acrescer aqui a resistência ou
capacidade de a parte esperar pela tramitação normal do processo até que possa
efetivar eventual sentença que lhe favoreça.
Há na matéria o que
se pode chamar de paradoxo da eficiência: quanto mais eficiente e ágil for a
unidade jurisdicional, menor será a probabilidade de a parte-autora optar por
uma solução consensual. É que, enquanto não invertermos a lógica que tem
presidido as conciliações no Poder Judiciário, pautada na necessidade de a
parte ter de abrir mão de uma parcela do direito para obter a sua satisfação
imediata, vamos conviver com dito paradoxo. Ocorre que a solução adjudicada, ao
contemplar a integralidade do direito, em certos casos, torna-se
financeiramente mais vantajosa, ainda que mais demorada.
Havendo relevância
na pretensão, a ponto de constituir um temor de derrota ao réu, o campo estará
fértil para uma composição amigável. O réu, certamente, não aceitará ou
apresentará uma proposta conciliatória diante de um pedido infundado.
Há o que os
processualistas chamam de risco ou dano marginal, que é o decorrente da duração
natural do processo. Ônus que a parte-autora suporta naturalmente pela opção
(ou infelicidade) de buscar em juízo a satisfação do seu direito, porque não
foi atendido antes pelo demandado. Se quiser abreviar o tempo e fugir do risco
marginal, é justo que abra mão de parcela de seu direito. Todavia, quanto ao
tempo que constitui a demora anormal, patológica, por deficiência do poder
judiciário e/ou devida à atuação da parte-ré, não deveriam os riscos que lhe
são inerentes projetar-se sobre os ombros apenas da parte-autora. Não deveria a
ameaça da demora constituir uma variável a ser considerada para definir o
alcance e o valor de eventual acordo.
É, pois, relevante
o papel do conciliador quando o litígio versa sobre prestações alimentares. Sua
atuação, em boa medida, aproxima-se daquela desempenhada por um mediador, que
também deve se preocupar com a qualidade da solução para as partes. No modelo
acordista que adotamos no Poder Judiciário, há sempre o sério risco de o
conciliador substituir com sua autoridade às vontades das partes, conduzindo-as
a realizar os seus próprios objetivos (do conciliador), mesmo que lhes sejam
prejudiciais.
Como bem observa
Alexandre Araújo Costa, o “conciliador judicial cumpre seu papel institucional
e burocrático quando o acordo é assinado e, por isso, muitas vezes, utiliza
todos os meios de pressão disponíveis para fazer com que as partes aceitem
algum acordo. E mais grave ainda é a distorção do papel dos juízes que, para
‘agilizar’ o seu próprio serviço, pressionam as partes, afirmando expressamente
(ou quase expressamente) a uma das partes que ela deveria aceitar uma certa
proposta, pois o acordo lhe seria mais vantajoso que a decisão que ele tomaria
se tivesse que resolver o litígio.”[12]
A legitimidade do
acordo, refere o citado autor, “é baseada na ideia de que ele é fruto de uma
decisão das pessoas envolvidas, mas, por um lado, muitos acordos resultam da
pressão do meio judicial (e da ignorância das partes, que potencializa essa
pressão) ou de negociações em que afloram apenas os aspectos mais superficiais
do conflito, pois falta ao conciliador a formação (e muitas vezes o interesse)
de explorar todas as dimensões do conflito.”[13]
A oportunidade e a
situação pessoal do litigante são sempre dados relevantes a serem considerados
por quem atua como conciliador. Casos há em que a manifestação de vontade da
parte no sentido de aceitar uma proposta conciliatória encontra-se parcialmente
prejudicada (viciada) em razão de determinada situação particularizada (doença
grave ou situação de miserabilidade). Em casos tais, a atuação do conciliador é
importante para evitar que a parte adversa tire proveito da situação de
fragilidade do outro litigante para reduzir o valor da oferta apresentada.
Conciliações nas Ações Previdenciárias
As soluções consensuais tendo por objeto direitos fundamentais da seguridade social apresentam algumas peculiaridades. Trata-se de débitos alimentares e há vinculação legal quanto ao valor dos benefícios. A margem de negociação pelas partes é sempre mais reduzida, diferentemente dos contratos bancários, em que o credor pode abrir mão de seu crédito a seu livre talante, ou de um caso de desapropriação, em que o valor da avaliação do imóvel pode oscilar conforme as flutuações de mercado, por exemplo.
As soluções consensuais tendo por objeto direitos fundamentais da seguridade social apresentam algumas peculiaridades. Trata-se de débitos alimentares e há vinculação legal quanto ao valor dos benefícios. A margem de negociação pelas partes é sempre mais reduzida, diferentemente dos contratos bancários, em que o credor pode abrir mão de seu crédito a seu livre talante, ou de um caso de desapropriação, em que o valor da avaliação do imóvel pode oscilar conforme as flutuações de mercado, por exemplo.
Tomando em
consideração a premissa de que os acordos em tema de seguridade social somente
são aceitos pelo INSS quando a pretensão do autor se revele estreme de dúvidas,
certa e determinada, parece não haver muito sentido em exigir-se do autor da
ação, que está amparado pelo direito, porque a Justiça não tem condições de
oferecer-lhe a tutela jurisdicional com a brevidade que a natureza alimentar da
prestação pretendida recomenda, a renúncia de parcela do seu direito para vê-lo
implementado de imediato. Não pode o autor da demanda previdenciária ser
prejudicado pela mora do Poder Judiciário. Tampouco beneficiado o réu. Se o
direito é inequívoco e incontroverso, apenas se teria um caminho, a sua
imediata satisfação. Caberia, inclusive, a antecipação de tutela do direito
incontroverso (art. 273, § 6º, do CPC: “A tutela antecipada também poderá ser
concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se
incontroverso”).
Mas o que se está
fazendo? Diz-se assim para o autor: “Olhe, o seu direito é inequívoco, você
realmente está incapaz, mas o devedor (INSS) está lhe oferecendo 80% do que
você tem direito. Se você desejar receber a benesse relativa ao seu direito
integralmente, terá que esperar ‘muito tempo’, uns dois ou três anos”.
Nessa hipótese, o
acordo, a partir de uma proposta de redução do valor efetivamente devido, é
apenas um calote chancelado pelo Poder Judiciário. O direito reconhecido
precisa ser satisfeito integralmente. Os acordos com renúncia de parcela dos
valores devidos somente teriam lugar quando há margem de dúvida sobre algum
aspecto que compõe o direito a ser satisfeito. Por exemplo: se não há certeza
sobre a data do início da incapacidade, então é razoável que as partes
transijam acerca do início do cálculo das diferenças pretéritas.
Considerações finais
Com essas considerações, ao tempo em que festejo a alvissareira iniciativa do CNJ ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, promovendo e incentivando a ampliação, por essa via, do acesso à ordem jurídica justa, auguro um novo tempo para as práticas autocompositivas, enquanto sucedâneas da tutela jurisdicional dos direitos da seguridade social, para que:
Com essas considerações, ao tempo em que festejo a alvissareira iniciativa do CNJ ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, promovendo e incentivando a ampliação, por essa via, do acesso à ordem jurídica justa, auguro um novo tempo para as práticas autocompositivas, enquanto sucedâneas da tutela jurisdicional dos direitos da seguridade social, para que:
1. as conciliações
passem a ser a técnica preferencial de solução dos conflitos judicializados ou
não;
2. o papel dos
juízes e conciliadores seja marcado pela busca de soluções consensuais mais
justas, de forma a conferir maior legitimidade às práticas conciliatórias;
3. os valores
objeto dos acordos, observadas as variáveis antes citadas, fiquem o mais
próximo possível do valor efetivamente devido;
4. sendo
incontroverso o pedido, haja reconhecimento da procedência do pedido pelo réu
ou antecipação da tutela pelo juiz (art. 273, § 6°, do CPC);
5. não seja a
demora patológica do processo argumento a pressionar o autor para abrir mão de
parcela considerável do seu direito na audiência conciliatória.
[1] Na lição do
professor Kazuo Watanabe, “a ‘cultura da sentença’ traz como consequência o
aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o
congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos
Tribunais Superiores, e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem
aumentando também a quantidade de execuções
judiciais, que sabidamente são morosas e ineficazes e constituem o calcanhar de
Aquiles da Justiça” (Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o
Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. In: PELUZO, Antonio Cezar;
RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação
e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense,
2011. p. 4).
[2] Os mais conhecidos
mecanismos alternativos de resolução de disputas (MARDs ou ADRs) são a
mediação, a conciliação e a arbitragem.
[3] Os mecanismos de
solução alternativa de conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, nos moldes
do sistema americano, que seriam o ideal, porque não comprometem o tempo da
atividade judicial, a ser canalizada para os processos judicializados, têm como
maior óbice o elevado custo. Poucos possuem condições de pagar mediadores,
conciliadores ou árbitros.
[4] A solução adjudicada
pela autoridade estatal, mediante sentença, deve sempre ocorrer em caráter
subsidiário à iniciativa das partes para a solução do conflito.
[5] O nosso sistema
processual não prevê, ao contrário de outros sistemas legais (a maioria dos
sistemas estaduais germânicos e americanos), a obrigatoriedade de as partes
procurarem as ADRs como condição de procedibilidade ou pressuposto para acesso
à via judicial.
[6] WARAT, Luís
Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do
mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
[8] “No Brasil há um
ensino jurídico moldado pelo sistema da contradição (dialética) que forma
guerreiros, profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha,
em torno de uma lide, onde duas forças opostas lutam entre si e só pode levar a
um vencedor. Todo caso tem dois lados polarizados. Quando um ganha, o outro tem
de perder.” (BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da
guerra na solução dos conflitos. In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de
Almeida (Coord.). Conciliação e Mediação: estruturação da
política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 31)
[9] Dados disponíveis
em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>.
Acesso em: 20 jun. 2011.
[10] Basta lembrar,
exemplarmente, que tramitam hoje, nas Turmas Recursais dos JEFs da 4a Região, perto de 200 mil processos figurando o INSS no polo passivo,
número expressivo que constitui um campo muito fértil para conciliações,
especialmente porque em um percentual bastante elevado desses processos já
existe sentença de procedência a sinalizar no sentido do bom direito a
beneficiar os autores. Todos ganhariam caso houvesse iniciativa do INSS de pôr
fim aos litígios apresentando proposta conciliatória.
[11] No âmbito do TRF da
4a Região, a matéria foi regulamentada
pela Resolução nº 15, de 14 de março de 2011.
[12] COSTA, Alexandre
Araújo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/artigos/cartografia-dos-metodos-de-composicao-de-conflitos/iii-entre-mediacao-e-conciliacao/>.
Acesso em: 22 jun. 2011.
Paulo Afonso Brum Vaz é desembargador federal,
coordenador do Sistema de Conciliações da 4ª Região — Sistcon/Núcleo Permanente
de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e mestre em Poder Judiciário
pela FGV.
Revista Consultor Jurídico, 31 de agosto de 2011
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